terça-feira, 7 de dezembro de 2010

sexta-feira, 26 de novembro de 2010


saem dos subterrâneos das garagens
fazem dos seus carros armaduras
buzinam com raiva para os pedestres
entre gritos e mensagens em celulares

saem dos conjugados sem luz do sol
nas padarias pedem pão na chapa
procuram nas bolsas por seus cheques
em meio a cigarros, moedas e chaves

saem de bairros Jardim Qualquer Coisa
humilham-se deitados sob as catracas
alimentam as filas das construtoras
enquanto sonham com o vale-refeição

saem de buracos sob a linha de trem
correm com bugigangas nos braços
escapam das batidas dos fiscais
por entre ônibus, menfigos e frutas


saem das esquinas, nos semáforos
usam tênis e moletons com capuzes
encostam cacos de vidro nos pescoços
sob olhares de medo e votos de morte

saem dos portões com grades
vestem camisetas presenteadas
trocam passes por chocolates
entre o aperto de sovacos e coxas

saem de lojas de mármore e vidro
carregam sacolas com logotipos
escondem-se atrás de óculos escuros
para que a feiúra não lhes fira as retinas

pra onde voltam? que dor os arrasta?
que mó de pedra trazem no coração?
por que evitam olhar para os que passam?
onde um sopro, um vento, uma asa?


[GALVÃO, Donizete. - Curral
in Ruminações (1999)]

Esse curral à céu aberto chamado São Paulo, que consegue agregar tanto sensações de aconchego do meu próprio lar, de terra natal, como de repúdio, de não mais se adaptar a esse turbilhão de acontecimentos, e esse viver right now.

A metrópole da multidão de solidão.

quinta-feira, 11 de novembro de 2010


sobre os vestidos esvoaçantes

Olha, eu não deveria mais vestir um pedaço de tecido que já se considera "vestido" antes mesmo de abraçar meu corpo.
Trazer um particípio passado enrolado na pele é estar envolta nessas lembranças.


sobre os vestidos de algodão

Não, não te preocupa vestido!
Amanhã, quando o sol quente voltar ao céu
e todas as nuvens te quiserem de volta,
os dois pregadores, no varal, vão te salvar!




De quem poderia ser, se não dela?


Rita Apoena.

sexta-feira, 5 de novembro de 2010


Teu aniversário, no escuro,
não se comemora.

[...] Em verdade paraste de fazer anos.
Não envelheces. O último retrato
vale para sempre. És um homem cansado
mas fiel: carteira de identidade. [...]

[...] Vejo-te mais longe. Ficaste pequeno.
Impossível reconhecer teu rosto, mas sei que és tu.
Vem da névoa, das memórias, dos baús atulhados,
da monarquia, da escravidão, da tirania familiar. [...]

[...] Queria abandonar-te, negar-te, fugir-te,
mas curioso:
já não estás, e te sinto,
não me falas, e te converso.
E tanto nos entendemos, no escuro,
no pó, no sono.

E pergunto teu segredo.
Não respondes. Não o tinhas.[...]

[...]E tu, que me dizes tanto
Disso não me contas nada.

Perdoa a longa conversa.
Palavras tão poucas, antes!
É certo que intimidavas.

Guardavas talvez o amor
Em tripla cerca de espinhos.

Já não precisa guardá-lo.
No escuro em que fazes anos,
no escuro,
é permitido sorrir.

[ANDRADE, C. Drummond de - Como um presente p. 135
in A rosa do povo, 42°edição, Ed. Record, Rio de Janeiro - São Paulo]


Envelheço na cidade;
"E iria jogando pelo caminho a casca dourada e inútil das horas".
- e dos anos.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Há uma hora triste
que tu não conheces.
[...] não é a da noite
em que já sem luz
a cabeça cobres
com frio lençol
antecipando outro
mais gelado pano;[...]
[...] nem a da conversa
com indiferentes
ou com burros de óculos,
gelatina humana,
vontades corruptas,
palavras sem fogo,[...]
[...]não a do cinema
hora vagabunda
onde se compensa,
rosa em tecnicólor,
a falta de amor,
a falta de amor,
A FALTA DE AMOR;
nem essa hora flácida
após o desgaste
do corpo entrançado
em outro, tristeza
de ser exaurido
e peito deserto,[...]
[...]Pois hora mais triste
ainda se figura;
ei-la, a hora pequena
que desprevenido
te colhe sozinho
na rua ou no catre
em qualquer república;
já não te revoltas
e nem te lamentas,
tampouco procuras
solução benigna
de cristo ou arsênico,
sem nenhum apoio
no chão ou no espaço,
roídos os livros,
cortadas as pontes,
furados os olhos,
a língua enrolada,
os dedos sem tato,
a mente sem ordem,
sem qualquer ação,
tu vives: apenas,
sem saber por quê,
como, pra quê,
tu vives: cadáver,
malogro, tu vives,
rotina, tu vives
tu vives, mas triste
duma tal tristeza
tão sem água ou carne,
tão ausente, vago,
que pegar quisera
na mão e dizer-te:
Amigo, não sabes
que existe amanhã?[...]
[...]Tantos: grossos, brancos,
negros, rubros pés,
tortos ou lanhados,
fracos, retumbantes,
gravam no chão mole
marcas para sempre:
pois a hora mais bela
surge da mais triste.
[DRUMMOND, Uma hora e mais outra
in A rosa do povo, p. 50]
Dias sem post, tardes agridoces e noites drummonianas.

quinta-feira, 9 de setembro de 2010


meto a cara na manhã empoeirada da metrópole.
arrasto comigo um poema
em busca de palavras exatas
para ser tecido.

jogo o corpo na manhã
cinzenta da cidade
com a cara lavada de perspectivas
e o coração que é um largo lençol
de cicatrizes.

navego longamente na manhã

urbanotrópole
com o saco cheio de sair pela traseira da vida.

[MARANHÃO, S. P-5 Da série problemas pessoais]

quarta-feira, 1 de setembro de 2010


Eu não tenho cabelos vermelhos e o meu vestido não é amarelo. Eu sou só uma menina invisível, deitada na grama invisível que a moça que não sabia desenhar, não desenhou. Aquele é o menino que eu não lhe falei. Ele sempre está preso num único instante; o instante em que o moço que sabia desenhar, o desenhou. O balão que subia as nuvens, com várias crianças chamando, teve de desviar o caminho, pois não fazia parte desse desenho. O avião que trazia uma faixa, com linda declaração de amor, teve de mudar a rota, pois neste céu azul é que não foi desenhado. O pombo-correio que veio voando de fora da imagem, bateu o bico na borda e caiu. Por isso, o menino está sempre só. Se as crianças do balão não conseguiram. Se o avião também não conseguiu. Se nem o pombo-correio teve sucesso, como é que eu, uma menina invisível, feita de palavras, poderia chegar até ele? Foi o que passei dias e dias pensando. Então, numa de minhas viagens, ouvi dizer que uma imagem valia mais do que mil palavras. Não tive dúvidas. Abri a oficina invisível, acendi as luzes transparentes e comecei a construir este imenso abraço de palavras. De mil e duas palavras. Para, um dia, entregar a ele.


[Rita Apoena, gaúcha, estudante de Letras na UFRGS e uma forte aposta para a chamada poesia contemporânea.]

sexta-feira, 27 de agosto de 2010


A uma hora dessas
por onde estará seu pensamento
Terá os pés na pedra
ou vento no cabelo?

A uma hora dessas
por onde andará seu pensamento
Dará voltas na Terra
ou no estacionamento?

Onde longe Londres Lisboa
ou na minha cama?

A uma hora dessas
por onde vagará seu pensamento
Terá os pés na areia
em pleno apartamento?

A uma hora dessas
por onde passará seu pensamento
Por dentro da minha saia
ou pelo firmamento?

Onde longe Leme Luanda
ou na minha cama?

[Seu pensamento - Adriana Calcanhotto]


Por onde?
Por quem?
Por mim?

Pôr fim.

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Nenhum recado de morte
que sempre abala
tanto a família.
O mundo perplexo parou
e a vida
oblíqua
preferiu continuar traindo
sem matar ninguém.

[FERRAZ, H. - Resumo do dia
In _________. (1996)]

O marasmo, a mesmice, o deixar as coisas como estão. Aquele conformismo estático e prolífero, que contamina os que ainda não foram vacinados. O deixa estar, o as coisas são assim, o do que adianta? de mãos dadas numa caminhada que vai a lugar nenhum.
Fere, mas não mata. Mas tortura.
E, enquanto ninguém se incomoda, enquanto a poeira fica embaixo do tapete, enquanto o sofá é o local mais aconchegante, o lugar nenhum vira capital do mundo.


"O conformismo é carcereiro da liberdade e inimigo do crescimento".
Kennedy me entenderia.

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Sobretudo um dia virá em que todo meu movimento será criação, nascimento, eu romperei todos os nãos que existem dentro de mim, provarei a mim mesma que nada há a temer, que tudo o que eu for será sempre onde haja uma mulher com meu princípio, erguerei dentro de mim o que sou um dia, a um gesto meu minhas vigas se levantarão poderosas, água pura submergindo a dúvida, a consciência, eu serei forte como a alma de um animal e quando eu falar serão palavras não pensadas e lentas, não levemente sentidas, não cheias de vontade de humanidade, não o passado corroendo o futuro! O que eu disser soará fatal e inteiro.


[LISPECTOR, C.
in Perto do Coração Selvagem]

E tenho dito!

domingo, 8 de agosto de 2010


meu pai foi
ao Rio se tratar de
um câncer (que
o mataria) mas
perdeu os óculos
na viagem

quando lhe levei
os óculos novos
comprados na Ótica
Fluminense ele
examinou o estojo com
o nome da loja dobrou
a nota de compra guardou-a
no bolso e falou:
quero ver
agora qual é o
sacana que vai dizer
que eu nunca estive
no Rio de Janeiro

[Meu pai - Ferreira Gullar

in Muitas Vozes, 1999]


pra deixar registrada a vontade de estar ao lado dele em um dia como o de hoje.

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

[ "Isso não é um cachimbo" - René Magritte]

Isso não é um post.
Isso não é real.
Isso é poesia?
Isso é arte?


Isso é Dada.
"Dada não significa nada. Nós queremos mudar o mundo com nada". (Richard Huelsenbeck)


no final das contas, isso é uma aula bem assistida.

sexta-feira, 16 de julho de 2010

"Há entre mim e o mundo uma névoa que impede que eu veja as coisas como verdadeiramente são - como são para os outros.
Sinto isso".
[Fernando Pessoa]



Daqui a pouco, não vou enxergar mais: não vou querer ver.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

"Basicamente, eu queria que você me amasse
Eu queria que você precisasse de mim
Eu queria que você entendesse que quando eu pedisse dois torrões de açúcar, na verdade eu queria três
Eu queria que sem mim o seu coração se partisse
Eu queria que sem mim você passasse todas suas noites acordado
Eu queria que sem mim você não pudesse comer
Eu queria ser a última coisa em que você pensasse antes de dormir".

[The Nicest Thing - Kate Nash]


Resgatada do baú de músicas preferidas e sempre ouvidas, Kate Nash voltou a ter um espaço considerável essa noite.
Fez renascer uma pontinha de nostalgia misturada com grandes doses de um desejo de quereres egocêntricos, que nada mais são do que analgésicos para a alma. "Eu queria que sem mim você..."
Tudo isso, porém, de maneira sutil e envolta a uma camada consistente de nicest things.

quinta-feira, 1 de julho de 2010



"A solidão é fera, a solidão devora/É amiga das horas prima irmã do tempo/E faz nossos relógios caminharem lentos/Causando um descompasso no meu coração".



Não há nada mais concreto que ela -
a solidão.

segunda-feira, 28 de junho de 2010


Não venhas sentar-te à minha frente, nem a meu lado;

Não venhas falar, nem sorrir.

Estou cansado de tudo, estou cansado

E quero só dormir.

Dormir até acordado, sonhando

Ou até sem sonhar,

Mas envolto num vago abandono brando

A não ter que pensar.

Nunca soube querer, nunca soube sentir, até

Pensar não foi certo em mim.

Deitei fora entre ortigas o que era a minha fé,

Escrevi numa página em branco, «Fim».

As princesas incógnitas ficaram desconhecidas,

Os tronos prometidos não tiveram carpinteiro

Acumulei em mim um milhão difuso de vidas,

Mas nunca encontrei parceiro.

Por isso, se vieres, não te sentes a meu lado, nem fales,

Só quero dormir, uma morte que seja

Uma coisa que me não rale nem com que tu te rales —

Que ninguém deseja nem não deseja.

Pus o meu Deus no prego. Embrulhei em papel pardo

As esperanças e ambições que tive,

E hoje sou apenas um suicídio tardo,

Um desejo de dormir que ainda vive.

Mas dormir a valer, sem dignificação nenhuma,

Como um barco abandonado,

Que naufraga sozinho entre as trevas e a bruma

Sem se lhe saber o passado.

E o comandante do navio que segue deveras

Entrevê na distância do mar

O fim do último representante das galeras,

Que não sabia nadar.


[PESSOA, F. - Cansaço - Poesias Inéditas (1919-1930) (Nota prévia de Vitorino Nemésio e notas de Jorge Nemésio.) Lisboa: Ática, 1956 (imp. 1990). - 78]


Sublimemente esgotada. No êxtase do sentir-se por um triz. Pifando o intelecto, o concreto e até mesmo o imagético.


Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.

Tempo de absoluta depuração.

quarta-feira, 16 de junho de 2010

Febre, hemoptise, dispnéia e suores noturnos.
A vida inteira que podia ter sido e que não foi.
Tosse, tosse, tosse.

Mandou chamar o médico:
- Diga trinta e três.
- Trinta e três... trinta e três... trinta e três...
- Respire.

- O senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo e o pulmão direito infiltrado.
- Então, doutor, não é possível tentar o pneumotórax?
- Não. A única coisa a fazer é tocar um tango argentino.

(BANDEIRA, M. Pneumotórax
in Estrela da Vida Inteira - p. 128)

¿Vamos bailar?

segunda-feira, 14 de junho de 2010


Sou um animal sentimental
Me apego facilmente ao que desperta meu desejo
Tente me obrigar a fazer o que não quero
E você vai logo ver o que acontece.
Acho que entendo o que você quis me dizer
Mas existem outras coisas.

Consegui meu equilíbrio cortejando a insanidade,
Tudo está perdido mas existem possibilidades.
Tínhamos a idéia, mas você mudou os planos
Tínhamos um plano, você mudou de idéia
Já passou, já passou - quem sabe outro dia.

Antes eu sonhava, agora já não durmo
Quando foi que competimos pela primeira vez?
O que ninguém percebe é o que todo mundo sabe
Não entendo terrorismo, falávamos de amizade.

Não estou mais interessado no que sinto
Não acredito em nada além do que duvido
Você espera respostas que eu não tenho mas
Não vou brigar por causa disso
Até penso duas vezes se você quiser ficar.

Minha laranjeira verde, por que está tão prateada?
Foi da lua dessa noite, do sereno da madrugada
Tenho um sorriso bobo, parecido com soluço
Enquanto o caos segue em frente
Com toda a calma do mundo.

[Sereníssima - Legião Urbana]


Nostálgica e reflexiva - pensando-se.

sábado, 12 de junho de 2010

Tenho tanto sentimento
Que é freqüente persuadir-me
De que sou sentimental,
Mas reconheço, ao medir-me,
Que tudo isso é pensamento,
Que não senti afinal.

Temos, todos que vivemos,
Uma vida que é vivida
E outra vida que é pensada,
E a única vida que temos
É essa que é dividida
Entre a verdadeira e a errada.

Qual porém é a verdadeira
E qual errada, ninguém
Nos saberá explicar;
E vivemos de maneira
Que a vida que a gente tem
É a que tem que pensar.

(Tenho tanto sentimento - Fernando Pessoa)



Ando assim, pensando, pensando... o que não penso, porém, é em parar de pensar.

quarta-feira, 9 de junho de 2010

"Sou uma céptica que crê em tudo, uma desiludida cheia de ilusões, uma revoltada que aceita, sorridente, todo o mal da vida, uma indiferente a transbordar de ternura."

(Florbela Espanca)


Não quero mais acreditar, não quero mais imaginar, não quero mais por algo esperar! Chega de no fundo "esperançalizar", contando com um otimismo escondido sendo que ele é negado por você e à você!
Não ao paradoxo sentimentalista! Sê antes uma céptica que em nada crê, desiludida, revoltada que não aceita nada, antes que seja tarde! Antes que sua ternura transborde toda em si mesma, não havendo tempo para se salvar!
"O beijo, amigo, é a véspera do escarro".


Equilibra-te e sustenta-te. O mais é exagero.

segunda-feira, 7 de junho de 2010

"O frio especial das manhãs de viagem, a angústia da partida, carnal no arrepanhar, que vai do coração à pele, que chora virtualmente embora alegre".

(Álvaro de Campos)


É dentro dessa confusão que me instalei e, a cada encontro e/ou partida, borbulha em mim essas sensações controversas.
Esse ir e vir, esse passar e ficar, esse pertencer e permanecer, se confunde em mim, e cada vez mais me põe em xeque: aqui ou lá? (veja só, são advérbios de lugar que, até mesmo eles me remetem à questão da localidade: o aqui é aqui, onde agora estou, ou é lá, de onde vim?) Esse aqui é agora ou pra sempre?
Dentro de mim dura eternamente esse presente.


Em algum lugar - alugar.

segunda-feira, 31 de maio de 2010


"Chegando em casa, não comecei a ler. Fingia que não o tinha, só para depois ter o susto de o ter. Horas depois abri-o, li algumas linhas maravilhosas, fechei-o de novo, fui passear pela casa, adiei ainda mais indo comer pão com manteiga, fingi que não sabia onde guardara o livro, achava-o, abria-o por alguns instantes. Criava as mais falsas dificuldades para aquela coisa clandestina que era a felicidade. A felicidade sempre iria ser clandestina para mim. Parece que eu já pressentia. Como demorei! Eu vivia no ar... Havia orgulho e pudor em mim. Eu era uma rainha delicada.
Às vezes sentava-me na rede, balançando-me com o livro aberto no colo, sem tocá-lo, em êxtase puríssimo.
Não era mais uma menina com um livro: era uma mulher com seu amante".

(LISPECTOR, C. Felicidade Clandestina
in Os Cem Melhores Contos Brasileiros do Século - p.314)


Clandestina Felicidade no Porta Curtas:
http://www.portacurtas.com.br/pop_160.asp?cod=311&Exib=1

quinta-feira, 27 de maio de 2010


En una ocasión me preguntaste:
-¿Qué es la poesía?
¿Te acuerdas? No sé a qué propósito había yo hablado algunos momentos antes de mi pasión por ella.
-¿Qué es la poesía? - me dijiste.
Yo, que no soy muy fuerte en esto de las definiciones te respondí titubeando:
- La poesía es... es...
Sin concluir la frase, buscaba inútilmente en mi memoria un término de comparación, que no acertaba a encontrar.
Tú habías adelantado un poco la cabeza para escuchar mejor mis palabras; los negros rizos de tus cabellos, esos cabellos que tan bien sabes dejar a su antojo sombrear tu frente, con un abandono tan artístico, pendían de tu sien y bajaban rozando tu mejilla hasta descansar en tu seno; en tus pupilas húmedas y azules como el cielo de la noche brillaba un punto de luz, y tus labios se entreabrían ligeramente al impulso de una respiración perfumada y suave.
Mis ojos, que, a efecto sin duda de la turbación que experimentaba, habían errado un instante sin fijarse en ningún sitio, se volvieron entonces instintivamente hacia los tuyos, y exclamé, al fin:
-¡La poesía... la poesía eres tú! [...]

(BÉCQUER, Gustavo Adolfo - Carta Primeira
in Cartas literarias a una mujer - 1860 )


Las clases de Literatura Española son, a cada día, más valiosas.

segunda-feira, 24 de maio de 2010


O rapaz chegou-se para junto da moça e disse:
— Antônia, ainda não me acostumei com o seu corpo, com a sua cara.

A moça olhou de lado e esperou.

— Você não sabe quando a gente é criança e de repente vê uma lagarta
listada?

A moça se lembrava:
— A gente fica olhando...

A meninice brincou de novo nos olhos dela.

O rapaz prosseguiu com muita doçura:

— Antônia, você parece uma lagarta listada.

A moça arregalou os olhos, fez exclamações.

O rapaz concluiu:

— Antônia, você é engraçada! Você parece louca.

[BANDEIRA, Manuel. - Namorados
in
Estrela da vida inteira p. 142-143]


"A meninice brincou de novo nos olhos dela". Nos meus olhos anda brincando, festejando e ocupando seu espaço.
E é assim que a meninice salta aos meus olhos: como uma loucura, e eu, menina de tudo, sobrevoo essa imensidão sem (ainda) me preocupar em puxar a cordinha. A queda é livre, e eu a escolhi, sem medo de cair; sem medo de ser eu uma lagarta listada.


"- Fernanda, você é engraçada! Você parece louca".

quinta-feira, 20 de maio de 2010


Plantei num jardim um sonho bom,
Mostrei meus espinhos pra você.
Faz que desamarra o peso das botas e fica feliz.
Abre o guarda chuva que hoje o sol desistiu de sair.
Esse perfume de alecrim
Trouxe de volta um sonho bom.
Posso até olhar pela janela
E recitar "une petit chanson"

Cantei pra você meus velhos tons,
Perdi seu ouvido pro jornal.
Eu trago a dança que me inspirou o café sem açúcar e tal.
Analise o fundo da xícara, a esperança é igual.
Eu confesso só me resta a vida inteira.
Só me resta vida em mi maior e lá.


Sweet Jardim - o doce jardim da Tiê, que tanto vem me fascinando e viciando...

sábado, 15 de maio de 2010

[Mulher ao espelho - Pablo Picasso]

Eu não tinha este rosto de hoje,
assim calmo, assim triste, assim magro,
nem estes olhos tão vazios,
nem o lábio amargo.

Eu não tinha estas mãos sem força,
tão paradas e frias e mortas;
eu não tinha este coração
que nem se mostra.

Eu não dei por esta mudança,
tão simples, tão certa, tão fácil:
- Em que espelho ficou perdida a minha face?

[Retrato - Cecília Meireles]


O correr da vida muda tudo. (ah, Rosa!) E eu mudei. Mudei de ares, mudei de olhares, mudei de pensares. Gradativamente mudo e trago nessa mudança uma bagagem de incertezas: "E se eu fosse o primeiro a voltar pra mudar o que eu fiz, quem então agora eu seria?".
A única certeza, Cecília, é a da mudança, mesmo assim triste, de olhos vazios e lábio amargo. A face? Que se faça, se desfaça e se disfrace - a imagem refletida no espelho é sempre a mesma, mas muda de sentido.

domingo, 2 de maio de 2010

"Sua sensibilidade incomodava sem ser dolorosa, como uma unha quebradiça". (Clarice Lispector)


Sensibilidade à flor da pele. Compreender o subjetivo, ler nas entrelinhas, "reemplazar palabras por miradas". Compartilhar todas essas sensações através de um olhar, sem precisar falar, gesticular ou insinuar: só sensibilizar. Sentir e ser sentido assim, por meio dos sentidos, mas sem sentido algum. (Fez sentido?)
É querer que meus anseios transcendam a mim mesma, e que se possa observar seus sinais e compreender seu rumo.

Eu só caibo no sentir.

domingo, 25 de abril de 2010

Tempo de folhas caídas ao chão. Tempo de saturação. Tempo de lamentação. Tempo de mãos inchadas como no verão. Tempo de solidão. Tempo de sustentação. Tempo de reflexão. Tempo de noites mal dormidas no colchão. Tempo de forte respiração. Tempo de pouca ventilação. Tempo de pulsação. Tempo de horas que se vão. Tempo de companhias que se vão. Tempo de olhares com atenção. Tempo de proteção. Tempo de fixação. Tempo de imaginação. Tempo de formigação. Tempo de inquietação. Tempo de indecisão. Tempo de renovação. Tempo que demora um tempão. Tempo que passa com precisão. Tempo esse que eu não tenho mais não.


"Tempo, tempo, mano velho, falta um tanto ainda, eu sei, pra você correr macio...".

quinta-feira, 22 de abril de 2010

"Uma sacola de músicas e um coração pesado".

"Eu deixaria minha sombra cair pra trás/E eu não escreveria pra você/Porque eu não sou desse jeito/Não desse jeito".

É assim que Aimee Anne Duffy, mais conhecida somente como Duffy, me faz perder horas e horas com suas músicas entregues ao soul, como nos trechos que coloquei de Rockferry, nome também dado ao seu álbum, que conta ainda com outros dramalhões que tanto me agradam: Warnick Avenue, Stepping Stone, Breaking my own heart, etc.

http://www.iamduffy.com/index2.html - Link do vídeo de Rockferry no site oficial da cantora.

terça-feira, 20 de abril de 2010

Aspiração

Já não queria a maternal adoração
que afinal nos exaure, e resplandece em pânico,
tampouco o sentimento de um achado precioso
como o de Catarina Kippenberg aos pés de Rilke.

E não queria o amor, sob disfarces tontos
da mesma ninfa desolada no seu ermo
e a constante procura de sede e não de linfa,
e não queria também a simples rosa do sexo,

abscôndita, sem nexo, nas hospedarias do vento,
como ainda não quero a amizade geométrica
de almas que se elegeram numa seara orgulhosa,
imbricamento, talvez? de carências melancólicas.

Aspiro antes à fiel indiferença
mas pausada bastante para sustentar a vida
e, na sua indiscriminação de crueldade e diamante,
capaz de sugerir o fim sem a injustiça dos prêmios.

Carlos Drummond de Andrade


Abri o Antologia Poética de Drummond e, aleatoriamente, vi esse poema. Caiu como uma luva pro dia de hoje e pra o que venho "aspirando", a partir de então. Drummond tem sempre esse quê com o amor de uma forma paradoxal: ama esse 'não amar' da maneira mais amorosa que eu conheço, pois não o deixa transparecer, ele o deixa surpreender.

domingo, 18 de abril de 2010

"Mediocridade, eu sei o quanto sinto saudade..."
E que saudade! Depois de um bom tempo sem a tal "mediocridade" de ouví-los, acordei ao som de Móveis já mexendo as mãos no ritmo dos metais! Quero um show deles agora!

sábado, 17 de abril de 2010

Alice no país das maravilhas.


"Acho que eu poderia entender isso melhor - disse Alice de maneira muito educada - se estivesse tudo escrito. Mas, desse jeito, eu não consigo entender o que você quer dizer".

Curiosa e ansiosa por esse filme!
"(...) vem e traz um dos teus guarda-chuvas cintilantes".
Carlos Felipe Moisés.
É isso que dá Poesia Brasileira: ganas.