segunda-feira, 31 de maio de 2010


"Chegando em casa, não comecei a ler. Fingia que não o tinha, só para depois ter o susto de o ter. Horas depois abri-o, li algumas linhas maravilhosas, fechei-o de novo, fui passear pela casa, adiei ainda mais indo comer pão com manteiga, fingi que não sabia onde guardara o livro, achava-o, abria-o por alguns instantes. Criava as mais falsas dificuldades para aquela coisa clandestina que era a felicidade. A felicidade sempre iria ser clandestina para mim. Parece que eu já pressentia. Como demorei! Eu vivia no ar... Havia orgulho e pudor em mim. Eu era uma rainha delicada.
Às vezes sentava-me na rede, balançando-me com o livro aberto no colo, sem tocá-lo, em êxtase puríssimo.
Não era mais uma menina com um livro: era uma mulher com seu amante".

(LISPECTOR, C. Felicidade Clandestina
in Os Cem Melhores Contos Brasileiros do Século - p.314)


Clandestina Felicidade no Porta Curtas:
http://www.portacurtas.com.br/pop_160.asp?cod=311&Exib=1

Um comentário:

  1. já tive muito essa de abafar a felicidade, adiá-la um pouco para degustá-la mais detidamente em seguida. é como deixar para comer o que se gosta mais por último.
    sempre tive a sensação de que, melhor do que a satisfação é a véspera, o momento anterior (e o frio na barriga que ele causa).

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