Teu aniversário, no escuro,
não se comemora.
[...] Em verdade paraste de fazer anos.
Não envelheces. O último retrato
vale para sempre. És um homem cansado
mas fiel: carteira de identidade. [...]
[...] Vejo-te mais longe. Ficaste pequeno.
Impossível reconhecer teu rosto, mas sei que és tu.
Vem da névoa, das memórias, dos baús atulhados,
da monarquia, da escravidão, da tirania familiar. [...]
[...] Queria abandonar-te, negar-te, fugir-te,
mas curioso:
já não estás, e te sinto,
não me falas, e te converso.
E tanto nos entendemos, no escuro,
no pó, no sono.
E pergunto teu segredo.
Não respondes. Não o tinhas.[...]
[...]E tu, que me dizes tanto
Disso não me contas nada.
Perdoa a longa conversa.
Palavras tão poucas, antes!
É certo que intimidavas.
Guardavas talvez o amor
Em tripla cerca de espinhos.
Já não precisa guardá-lo.
No escuro em que fazes anos,
no escuro,
é permitido sorrir.
[ANDRADE, C. Drummond de - Como um presente p. 135
in A rosa do povo, 42°edição, Ed. Record, Rio de Janeiro - São Paulo]
Envelheço na cidade;
"E iria jogando pelo caminho a casca dourada e inútil das horas". - e dos anos.
in A rosa do povo, 42°edição, Ed. Record, Rio de Janeiro - São Paulo]
Envelheço na cidade;
"E iria jogando pelo caminho a casca dourada e inútil das horas". - e dos anos.
Feliz aniversário, Fer.
ResponderExcluirDrummond é foda: "no escuro, é permitido sorrir."
Beijos