terça-feira, 5 de outubro de 2010

Há uma hora triste
que tu não conheces.
[...] não é a da noite
em que já sem luz
a cabeça cobres
com frio lençol
antecipando outro
mais gelado pano;[...]
[...] nem a da conversa
com indiferentes
ou com burros de óculos,
gelatina humana,
vontades corruptas,
palavras sem fogo,[...]
[...]não a do cinema
hora vagabunda
onde se compensa,
rosa em tecnicólor,
a falta de amor,
a falta de amor,
A FALTA DE AMOR;
nem essa hora flácida
após o desgaste
do corpo entrançado
em outro, tristeza
de ser exaurido
e peito deserto,[...]
[...]Pois hora mais triste
ainda se figura;
ei-la, a hora pequena
que desprevenido
te colhe sozinho
na rua ou no catre
em qualquer república;
já não te revoltas
e nem te lamentas,
tampouco procuras
solução benigna
de cristo ou arsênico,
sem nenhum apoio
no chão ou no espaço,
roídos os livros,
cortadas as pontes,
furados os olhos,
a língua enrolada,
os dedos sem tato,
a mente sem ordem,
sem qualquer ação,
tu vives: apenas,
sem saber por quê,
como, pra quê,
tu vives: cadáver,
malogro, tu vives,
rotina, tu vives
tu vives, mas triste
duma tal tristeza
tão sem água ou carne,
tão ausente, vago,
que pegar quisera
na mão e dizer-te:
Amigo, não sabes
que existe amanhã?[...]
[...]Tantos: grossos, brancos,
negros, rubros pés,
tortos ou lanhados,
fracos, retumbantes,
gravam no chão mole
marcas para sempre:
pois a hora mais bela
surge da mais triste.
[DRUMMOND, Uma hora e mais outra
in A rosa do povo, p. 50]
Dias sem post, tardes agridoces e noites drummonianas.

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