quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Clara, minha Clara, não me conte, cante. Não me conte contos nem me conte contas, cante.

Sur le pont de Nantes... 20


Recite: tragédias populares decorrentes da desobediência. Meninas-ofélias boiando na harmonia das ninféias. Menina: desobediência devorada no ventre frio das águas, no ventre quente dos lobos.

Canta Bárbara:


Il pleut sur Nantes
Donne-moi la main
La ciel de Nantes
Rend mon coeur chagrin... 21


Não foi por falta de água, Jules-Vernes-Nantês, que o Titanic afundou. As lágrimas de Alice gigante afogam seus portos frios e cinzas. Nantes.
Bárbara: lança chuva fria para aquecer o coração claro de Clara, gélido:


Il est parti sans un je t´aime.
Mon père, mon père. 22


Guidone, desconstrói:

Comme dit Marguerite Duras en experte
Ce monde est pourri, qu´il aille à sa perte. 23


Deite-se nos não-me-importo. Orelhas furadas no berço: você é mulher. Estigmatizada, separa, cinde, perfura. Põe um chumbo em cada orelha. Empurra a cabeça para baixo... Você queria olhar para o fundo escuro dos olhos negros da abuela. Alçava a cabeça sem custo, no esquecimento do peso, talvez demais, altiva. Sempre para o mar tristonho de seus olhos de Pasionaria calada.
Cante:


Porque te vas
Todas las promesas de mi amor se irán con/ti/go...


Tão alegrinho, tão inocente, como a culpa assassina da menina-cria cuervos. Trilha musical. Intérprete: Jeanette, eterna mocinha que também dizia: Iou, souy reibeldeee puorque o mundo me hixo asssi...
Com cara de anjinho, sem culpa, sem sotaque britânico, sonsa, com sucesso, sem frivolidade maior, com não-culpadps e sim-atenciosos, desfolhando a margarida sem piedade: Il m´aime, passionament, à la folie, pas du tout. 24
São 25% de chances para os paus du tout; 75% para o sim, contra toda a estatística objetiva. Margarida murcha que canta na escala de Dó Maior. A dominante.
Você prefere a de ré, a menor.
Regina de Elis, repetência escolar, Réquiem por un campesino español ou não, resdistribuição de renda, restituição do patrimônio roubado, requebros nas procissões, rebentos relutantes sem Petit Prince preso à idéia; ressonâncias sem magnetismo, reaprender as origens, re-isento de bis, como da primeira vez.
Dorme Clara. Eu vigio.
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*Notas de rodapé:
20 Na Ponte de Nantes, canção popular francesa que pune a desobediência de uma jovem que, escondida, vai dançar na ponte da cidade e acaba caindo - e morrendo - nas águas do Loire.
21 Chove em Nantes/ dê-me sua mão / o céu de Nantes / torna meu coração triste.
Canção de Bárbara (1930-1997) dedicada ao seu pai, in memoriam. Nela, Bárbara o perdoa pelo abandono e pelo incesto sofrido na infância.
22 Ele se foi sem um te amo, / meu pai, meu pai.
23 Como diz Marguerite Duras, uma expert / este mundo está podre, que vá à sua perda.
24 Ele me ama, com paixão, com loucura, de maneira alguma. Dizeres com os quais, na França, se despetala a margarida.
[AYBAR, Lola - Ré menor
in Fuga em azul, Escrituras Editora, 2007]
Um encanto de livro, de professora e, acima de tudo, de ser humano.
"Gracias, tia Lola!", como se ouve por aí... ;)