sexta-feira, 26 de novembro de 2010


saem dos subterrâneos das garagens
fazem dos seus carros armaduras
buzinam com raiva para os pedestres
entre gritos e mensagens em celulares

saem dos conjugados sem luz do sol
nas padarias pedem pão na chapa
procuram nas bolsas por seus cheques
em meio a cigarros, moedas e chaves

saem de bairros Jardim Qualquer Coisa
humilham-se deitados sob as catracas
alimentam as filas das construtoras
enquanto sonham com o vale-refeição

saem de buracos sob a linha de trem
correm com bugigangas nos braços
escapam das batidas dos fiscais
por entre ônibus, menfigos e frutas


saem das esquinas, nos semáforos
usam tênis e moletons com capuzes
encostam cacos de vidro nos pescoços
sob olhares de medo e votos de morte

saem dos portões com grades
vestem camisetas presenteadas
trocam passes por chocolates
entre o aperto de sovacos e coxas

saem de lojas de mármore e vidro
carregam sacolas com logotipos
escondem-se atrás de óculos escuros
para que a feiúra não lhes fira as retinas

pra onde voltam? que dor os arrasta?
que mó de pedra trazem no coração?
por que evitam olhar para os que passam?
onde um sopro, um vento, uma asa?


[GALVÃO, Donizete. - Curral
in Ruminações (1999)]

Esse curral à céu aberto chamado São Paulo, que consegue agregar tanto sensações de aconchego do meu próprio lar, de terra natal, como de repúdio, de não mais se adaptar a esse turbilhão de acontecimentos, e esse viver right now.

A metrópole da multidão de solidão.

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