"Infelicidade é uma questão de prefixo"
terça-feira, 7 de dezembro de 2010
sexta-feira, 26 de novembro de 2010
fazem dos seus carros armaduras
buzinam com raiva para os pedestres
entre gritos e mensagens em celulares
saem dos conjugados sem luz do sol
nas padarias pedem pão na chapa
procuram nas bolsas por seus cheques
em meio a cigarros, moedas e chaves
saem de bairros Jardim Qualquer Coisa
humilham-se deitados sob as catracas
alimentam as filas das construtoras
enquanto sonham com o vale-refeição
saem de buracos sob a linha de trem
correm com bugigangas nos braços
escapam das batidas dos fiscais
por entre ônibus, menfigos e frutas
saem das esquinas, nos semáforos
usam tênis e moletons com capuzes
encostam cacos de vidro nos pescoços
sob olhares de medo e votos de morte
saem dos portões com grades
vestem camisetas presenteadas
trocam passes por chocolates
entre o aperto de sovacos e coxas
saem de lojas de mármore e vidro
carregam sacolas com logotipos
escondem-se atrás de óculos escuros
para que a feiúra não lhes fira as retinas
pra onde voltam? que dor os arrasta?
que mó de pedra trazem no coração?
por que evitam olhar para os que passam?
onde um sopro, um vento, uma asa?
in Ruminações (1999)]
A metrópole da multidão de solidão.
quinta-feira, 11 de novembro de 2010
sobre os vestidos esvoaçantes
Olha, eu não deveria mais vestir um pedaço de tecido que já se considera "vestido" antes mesmo de abraçar meu corpo.
Trazer um particípio passado enrolado na pele é estar envolta nessas lembranças.
sobre os vestidos de algodão
Não, não te preocupa vestido!
Amanhã, quando o sol quente voltar ao céu
e todas as nuvens te quiserem de volta,
os dois pregadores, no varal, vão te salvar!
Rita Apoena.
sexta-feira, 5 de novembro de 2010
Teu aniversário, no escuro,
não se comemora.
[...] Em verdade paraste de fazer anos.
Não envelheces. O último retrato
vale para sempre. És um homem cansado
mas fiel: carteira de identidade. [...]
[...] Vejo-te mais longe. Ficaste pequeno.
Impossível reconhecer teu rosto, mas sei que és tu.
Vem da névoa, das memórias, dos baús atulhados,
da monarquia, da escravidão, da tirania familiar. [...]
[...] Queria abandonar-te, negar-te, fugir-te,
mas curioso:
já não estás, e te sinto,
não me falas, e te converso.
E tanto nos entendemos, no escuro,
no pó, no sono.
E pergunto teu segredo.
Não respondes. Não o tinhas.[...]
[...]E tu, que me dizes tanto
Disso não me contas nada.
Perdoa a longa conversa.
Palavras tão poucas, antes!
É certo que intimidavas.
Guardavas talvez o amor
Em tripla cerca de espinhos.
Já não precisa guardá-lo.
No escuro em que fazes anos,
no escuro,
é permitido sorrir.
in A rosa do povo, 42°edição, Ed. Record, Rio de Janeiro - São Paulo]
Envelheço na cidade;
"E iria jogando pelo caminho a casca dourada e inútil das horas". - e dos anos.
terça-feira, 5 de outubro de 2010
quinta-feira, 9 de setembro de 2010
em busca de palavras exatas
para ser tecido.
jogo o corpo na manhã
cinzenta da cidade
com a cara lavada de perspectivas
e o coração que é um largo lençol
de cicatrizes.
navego longamente na manhã
urbanotrópole
com o saco cheio de sair pela traseira da vida.
quarta-feira, 1 de setembro de 2010
sexta-feira, 27 de agosto de 2010
A uma hora dessas
por onde estará seu pensamento
Terá os pés na pedra
ou vento no cabelo?
A uma hora dessas
por onde andará seu pensamento
Dará voltas na Terra
ou no estacionamento?
Onde longe Londres Lisboa
ou na minha cama?
A uma hora dessas
por onde vagará seu pensamento
Terá os pés na areia
em pleno apartamento?
A uma hora dessas
por onde passará seu pensamento
Por dentro da minha saia
ou pelo firmamento?
ou na minha cama?
Por quem?
Por mim?
Pôr fim.
quarta-feira, 18 de agosto de 2010
que sempre abala
tanto a família.
O mundo perplexo parou
e a vida
oblíqua
preferiu continuar traindo
sem matar ninguém.
In _________. (1996)]
Fere, mas não mata. Mas tortura.
E, enquanto ninguém se incomoda, enquanto a poeira fica embaixo do tapete, enquanto o sofá é o local mais aconchegante, o lugar nenhum vira capital do mundo.
"O conformismo é carcereiro da liberdade e inimigo do crescimento".
Kennedy me entenderia.
quinta-feira, 12 de agosto de 2010
[LISPECTOR, C.
in Perto do Coração Selvagem]
domingo, 8 de agosto de 2010
meu pai foi
ao Rio se tratar de
um câncer (que
o mataria) mas
perdeu os óculos
na viagem
quando lhe levei
os óculos novos
comprados na Ótica
Fluminense ele
examinou o estojo com
o nome da loja dobrou
a nota de compra guardou-a
no bolso e falou:
quero ver
agora qual é o
sacana que vai dizer
que eu nunca estive
no Rio de Janeiro
[Meu pai - Ferreira Gullar
in Muitas Vozes, 1999]
pra deixar registrada a vontade de estar ao lado dele em um dia como o de hoje.
sexta-feira, 16 de julho de 2010
segunda-feira, 5 de julho de 2010
[The Nicest Thing - Kate Nash]
Fez renascer uma pontinha de nostalgia misturada com grandes doses de um desejo de quereres egocêntricos, que nada mais são do que analgésicos para a alma. "Eu queria que sem mim você..."
Tudo isso, porém, de maneira sutil e envolta a uma camada consistente de nicest things.
quinta-feira, 1 de julho de 2010
segunda-feira, 28 de junho de 2010
Não venhas falar, nem sorrir.
Estou cansado de tudo, estou cansado
E quero só dormir.
Dormir até acordado, sonhando
Ou até sem sonhar,
Mas envolto num vago abandono brando
A não ter que pensar.
Nunca soube querer, nunca soube sentir, até
Pensar não foi certo em mim.
Deitei fora entre ortigas o que era a minha fé,
Escrevi numa página em branco, «Fim».
As princesas incógnitas ficaram desconhecidas,
Os tronos prometidos não tiveram carpinteiro
Acumulei em mim um milhão difuso de vidas,
Mas nunca encontrei parceiro.
Por isso, se vieres, não te sentes a meu lado, nem fales,
Só quero dormir, uma morte que seja
Uma coisa que me não rale nem com que tu te rales —
Que ninguém deseja nem não deseja.
Pus o meu Deus no prego. Embrulhei em papel pardo
As esperanças e ambições que tive,
E hoje sou apenas um suicídio tardo,
Um desejo de dormir que ainda vive.
Mas dormir a valer, sem dignificação nenhuma,
Como um barco abandonado,
Que naufraga sozinho entre as trevas e a bruma
Sem se lhe saber o passado.
E o comandante do navio que segue deveras
Entrevê na distância do mar
O fim do último representante das galeras,
Que não sabia nadar.
[PESSOA, F. - Cansaço - Poesias Inéditas (1919-1930) (Nota prévia de Vitorino Nemésio e notas de Jorge Nemésio.) Lisboa: Ática, 1956 (imp. 1990). - 78]
Sublimemente esgotada. No êxtase do sentir-se por um triz. Pifando o intelecto, o concreto e até mesmo o imagético.
Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
quarta-feira, 16 de junho de 2010
A vida inteira que podia ter sido e que não foi.
Tosse, tosse, tosse.
Mandou chamar o médico:
- Diga trinta e três.
- Trinta e três... trinta e três... trinta e três...
- Respire.
- O senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo e o pulmão direito infiltrado.
- Então, doutor, não é possível tentar o pneumotórax?
- Não. A única coisa a fazer é tocar um tango argentino.
in Estrela da Vida Inteira - p. 128)
segunda-feira, 14 de junho de 2010
Sou um animal sentimental
Me apego facilmente ao que desperta meu desejo
Tente me obrigar a fazer o que não quero
E você vai logo ver o que acontece.
Acho que entendo o que você quis me dizer
Mas existem outras coisas.
Consegui meu equilíbrio cortejando a insanidade,
Tudo está perdido mas existem possibilidades.
Tínhamos a idéia, mas você mudou os planos
Tínhamos um plano, você mudou de idéia
Já passou, já passou - quem sabe outro dia.
Antes eu sonhava, agora já não durmo
Quando foi que competimos pela primeira vez?
O que ninguém percebe é o que todo mundo sabe
Não entendo terrorismo, falávamos de amizade.
Não estou mais interessado no que sinto
Não acredito em nada além do que duvido
Você espera respostas que eu não tenho mas
Não vou brigar por causa disso
Até penso duas vezes se você quiser ficar.
Foi da lua dessa noite, do sereno da madrugada
Tenho um sorriso bobo, parecido com soluço
Enquanto o caos segue em frente
Com toda a calma do mundo.
sábado, 12 de junho de 2010
Que é freqüente persuadir-me
De que sou sentimental,
Mas reconheço, ao medir-me,
Que tudo isso é pensamento,
Que não senti afinal.
Uma vida que é vivida
E outra vida que é pensada,
E a única vida que temos
É essa que é dividida
Entre a verdadeira e a errada.
Qual porém é a verdadeira
E qual errada, ninguém
Nos saberá explicar;
E vivemos de maneira
Que a vida que a gente tem
É a que tem que pensar.
quarta-feira, 9 de junho de 2010
Não quero mais acreditar, não quero mais imaginar, não quero mais por algo esperar! Chega de no fundo "esperançalizar", contando com um otimismo escondido sendo que ele é negado por você e à você!
Não ao paradoxo sentimentalista! Sê antes uma céptica que em nada crê, desiludida, revoltada que não aceita nada, antes que seja tarde! Antes que sua ternura transborde toda em si mesma, não havendo tempo para se salvar!
"O beijo, amigo, é a véspera do escarro".
Equilibra-te e sustenta-te. O mais é exagero.
segunda-feira, 7 de junho de 2010
Dentro de mim dura eternamente esse presente.
Em algum lugar - alugar.
segunda-feira, 31 de maio de 2010
"Chegando em casa, não comecei a ler. Fingia que não o tinha, só para depois ter o susto de o ter. Horas depois abri-o, li algumas linhas maravilhosas, fechei-o de novo, fui passear pela casa, adiei ainda mais indo comer pão com manteiga, fingi que não sabia onde guardara o livro, achava-o, abria-o por alguns instantes. Criava as mais falsas dificuldades para aquela coisa clandestina que era a felicidade. A felicidade sempre iria ser clandestina para mim. Parece que eu já pressentia. Como demorei! Eu vivia no ar... Havia orgulho e pudor em mim. Eu era uma rainha delicada.
Às vezes sentava-me na rede, balançando-me com o livro aberto no colo, sem tocá-lo, em êxtase puríssimo.
Não era mais uma menina com um livro: era uma mulher com seu amante".
in Os Cem Melhores Contos Brasileiros do Século - p.314)
quinta-feira, 27 de maio de 2010
-¿Qué es la poesía?
¿Te acuerdas? No sé a qué propósito había yo hablado algunos momentos antes de mi pasión por ella.
-¿Qué es la poesía? - me dijiste.
Yo, que no soy muy fuerte en esto de las definiciones te respondí titubeando:
- La poesía es... es...
Sin concluir la frase, buscaba inútilmente en mi memoria un término de comparación, que no acertaba a encontrar.
Tú habías adelantado un poco la cabeza para escuchar mejor mis palabras; los negros rizos de tus cabellos, esos cabellos que tan bien sabes dejar a su antojo sombrear tu frente, con un abandono tan artístico, pendían de tu sien y bajaban rozando tu mejilla hasta descansar en tu seno; en tus pupilas húmedas y azules como el cielo de la noche brillaba un punto de luz, y tus labios se entreabrían ligeramente al impulso de una respiración perfumada y suave.
Mis ojos, que, a efecto sin duda de la turbación que experimentaba, habían errado un instante sin fijarse en ningún sitio, se volvieron entonces instintivamente hacia los tuyos, y exclamé, al fin:
-¡La poesía... la poesía eres tú! [...]
in Cartas literarias a una mujer - 1860 )
segunda-feira, 24 de maio de 2010
— Antônia, ainda não me acostumei com o seu corpo, com a sua cara.
A moça olhou de lado e esperou.
— Você não sabe quando a gente é criança e de repente vê uma lagarta
listada?
A moça se lembrava:
— A gente fica olhando...
A meninice brincou de novo nos olhos dela.
O rapaz prosseguiu com muita doçura:
— Antônia, você parece uma lagarta listada.
A moça arregalou os olhos, fez exclamações.
O rapaz concluiu:
— Antônia, você é engraçada! Você parece louca.
in Estrela da vida inteira p. 142-143]
"A meninice brincou de novo nos olhos dela". Nos meus olhos anda brincando, festejando e ocupando seu espaço.
E é assim que a meninice salta aos meus olhos: como uma loucura, e eu, menina de tudo, sobrevoo essa imensidão sem (ainda) me preocupar em puxar a cordinha. A queda é livre, e eu a escolhi, sem medo de cair; sem medo de ser eu uma lagarta listada.
"- Fernanda, você é engraçada! Você parece louca".
quinta-feira, 20 de maio de 2010
Plantei num jardim um sonho bom,
Mostrei meus espinhos pra você.
Faz que desamarra o peso das botas e fica feliz.
Abre o guarda chuva que hoje o sol desistiu de sair.
Esse perfume de alecrim
Trouxe de volta um sonho bom.
Posso até olhar pela janela
E recitar "une petit chanson"
Cantei pra você meus velhos tons,
Perdi seu ouvido pro jornal.
Eu trago a dança que me inspirou o café sem açúcar e tal.
Analise o fundo da xícara, a esperança é igual.
Eu confesso só me resta a vida inteira.
Só me resta vida em mi maior e lá.
Sweet Jardim - o doce jardim da Tiê, que tanto vem me fascinando e viciando...
sábado, 15 de maio de 2010
Eu não tinha este rosto de hoje,
assim calmo, assim triste, assim magro,
nem estes olhos tão vazios,
nem o lábio amargo.
Eu não tinha estas mãos sem força,
tão paradas e frias e mortas;
eu não tinha este coração
que nem se mostra.
Eu não dei por esta mudança,
tão simples, tão certa, tão fácil:
- Em que espelho ficou perdida a minha face?
A única certeza, Cecília, é a da mudança, mesmo assim triste, de olhos vazios e lábio amargo. A face? Que se faça, se desfaça e se disfrace - a imagem refletida no espelho é sempre a mesma, mas muda de sentido.
domingo, 2 de maio de 2010
É querer que meus anseios transcendam a mim mesma, e que se possa observar seus sinais e compreender seu rumo.
Eu só caibo no sentir.
domingo, 25 de abril de 2010
"Tempo, tempo, mano velho, falta um tanto ainda, eu sei, pra você correr macio...".
quinta-feira, 22 de abril de 2010
"Eu deixaria minha sombra cair pra trás/E eu não escreveria pra você/Porque eu não sou desse jeito/Não desse jeito".
É assim que Aimee Anne Duffy, mais conhecida somente como Duffy, me faz perder horas e horas com suas músicas entregues ao soul, como nos trechos que coloquei de Rockferry, nome também dado ao seu álbum, que conta ainda com outros dramalhões que tanto me agradam: Warnick Avenue, Stepping Stone, Breaking my own heart, etc.
http://www.iamduffy.com/index2.html - Link do vídeo de Rockferry no site oficial da cantora.
terça-feira, 20 de abril de 2010
Já não queria a maternal adoração
que afinal nos exaure, e resplandece em pânico,
tampouco o sentimento de um achado precioso
como o de Catarina Kippenberg aos pés de Rilke.
E não queria o amor, sob disfarces tontos
da mesma ninfa desolada no seu ermo
e a constante procura de sede e não de linfa,
e não queria também a simples rosa do sexo,
abscôndita, sem nexo, nas hospedarias do vento,
como ainda não quero a amizade geométrica
de almas que se elegeram numa seara orgulhosa,
imbricamento, talvez? de carências melancólicas.
Aspiro antes à fiel indiferença
mas pausada bastante para sustentar a vida
e, na sua indiscriminação de crueldade e diamante,
capaz de sugerir o fim sem a injustiça dos prêmios.
Abri o Antologia Poética de Drummond e, aleatoriamente, vi esse poema. Caiu como uma luva pro dia de hoje e pra o que venho "aspirando", a partir de então. Drummond tem sempre esse quê com o amor de uma forma paradoxal: ama esse 'não amar' da maneira mais amorosa que eu conheço, pois não o deixa transparecer, ele o deixa surpreender.